11/29/10

O Povo do Blablablá

Há três anos atrás, passei quinze dias agradabilíssimos, de férias, em Piúma, no litoral sul capixaba. Com pouco mais de 18 mil habitantes, a cidade tem a sua população triplicada no verão. Mineiros, uai, de todas as cores e lugares invadem a cidade. Piuma não é o Mar de Minas, mas é a praia mais próxima da mineirada.

À noite, na orla, entre roupas, sorvetes e comidas, muita gente passeia pelas várias feirinhas. Também montaram um palco para shows numa das praças. Ali, às sextas-feiras, era apresentado um show gospel, num projeto denominado “Jesus, o sol da minha praia”, patrocinado pela prefeitura municipal local, com o apoio da Primeira Igreja Batista de Piúma. Na verdade, uma excelente oportunidade para se fazer um pré-evangelismo, já que “a fé vem pelo ouvir e o ouvir pela palavra de Cristo” (Rm 10.17).

Eu não entendo nada de show gospel. Mas, na minha ignorância, pensava que o seu objetivo era apresentar Jesus através da música. Então, a melhor estratégia é botar no palco uma boa banda ou um bom cantador e mandá-lo cantar. Não foi assim. Arrumaram um locutor que não parava de falar. O cara falava pelos cotovelos. A receita era assim: trezentos decibéis de som pra deixar todo mundo surdo; cinco colheradas de sopa de chavões evangélicos que já não dizem nada a ninguém; vinte porções de aleluias; e abobrinha o quanto baste pra irritar os incrédulos. Pronto. Pra piorar as coisas, arrumaram um roqueiro gospel que pulava e rodava pra todos os lados, gritando coisas desconexas, entremeadas com a palavra Jesus. Tétrico. O show devia se chamar “Tempestade na praia”.

Em Portugal, algumas vezes fui chamado para acompanhar um coro formado por uns quarenta homens angolanos, o Coro Bênção. Saíamos pelas praças, e os mandava cantar. O canto bonito deles logo atraía os portugueses, que eram duros para a mensagem do evangelho, mas gostavam de boa música. Quando havia um bom número de gente, eu pegava o microfone e só dizia isso: “São angolanos, vieram fugindo da guerra civil do seu país. Deixaram filhos, mulheres, famílias. Trabalham aqui na construção civil. Têm uma vida difícil. Tinham tudo para serem homens tristes. Mas, não. Aos sábados gostam de sair para cantar. Cantam porque conhecem uma coisa que vocês não conhecem: a graça de Cristo. Quem conhece o evangelho de Jesus Cristo tem forças suficientes para cantar, até em meio a dor”.

Voltemos a Piúma: enquanto isso, no barzinho próximo ao apartamento onde estava havia música ao vivo. O cantador de lá só cantava. Nada de discurso, anúncio, comunicação, ou blablablá. E o barzinho enchia de gente. Quando via, percebia que todo mundo estava cantando junto com ele. Também lá na praia, no sábado à tarde, um grupo de pagode chegou, e começou a cantar. Só cantar. Aquela área da praia lotou. Cumpriam-se, literalmente, aquelas palavras de Jesus: “as pessoas deste mundo são muito mais espertas nos seus negócios do que as pessoas que pertencem à luz” (Lc 16.12).

Nós, evangélicos de hoje, como gostamos de falar. Quantas palavras ociosas teremos de dar contas a Deus no dia do juízo! (Mt 12.36) Vê-se isso nos nossos cultos. Nenhum grupinho vai à frente do templo cantar sem antes fazer um sermãozinho. Geralmente enaltecendo o óbvio, e gastando a nossa paciência. Estamos despregando o evangelho com o nosso blablablá!
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