12/15/10

Os Sobrinhos do Diabo

Comemoramos no 2º domingo de Dezembro o “Dia da Bíblia”. Houve um tempo na minha vida quando carregar uma Bíblia era tremendamente difícil. Aquele livro era muito pesado. Como os seus ensinos andavam longe do meu coração, precisava de muita coragem para andar com ela nas mãos, sobretudo diante dos meus colegas. Interessante que, à medida que a minha vida com Deus foi se acertando, a Bíblia começou a ficar leve. Carregá-la já era fácil. Hoje é relativamente simples carregar uma Bíblia nos braços. Difícil é carregar a sua mensagem no coração.

O problema não é tanto a Bíblia em si, mas a sua interpretação. Há aplicações variadas, para todos os gostos. Falando num congresso fluminense, o Pastor Isaltino Gomes Coelho Filho fez várias citações: um pastor pregou, dizendo que mulher não deveria fazer cesariana, pois Gênesis 3.6 diz que “com dor dará a luz filhos”. Outro pregou contra o esporte porque 1 Timóteo 4.8 diz que “o exercício corporal para pouco proveita”. Ainda outro pregou contra a televisão, porque nela vemos o que não devemos ver. Usou 2 Samuel 11.2, quando “do terraço viu Davi uma mulher que estava se lavando”. Em contrapartida, outro mensageiro imaginou que a expressão apocalíptica “E todo o olho o verá”(1.7), se cumprirá por televisão, via satélite. Aliás, é grande o número de líderes doentes que fazem o povo de Deus adoecer. Enxergam na Bíblia coisas que ela nunca quis dizer.

Há pregadores que usam a Bíblia para enviar recados aos que discordam dele. Há os que se valem do sermão, usando a Bíblia, para que suas vantagens pessoais prevaleçam. Há os que usam versículos fora do contexto. E há também aqueles são até bem intencionados, mas ignoram o contexto cultural em que o texto foi produzido.

Está voltando à moda o seu uso astrológico e alegórico. Ela está sendo usada apenas para indicar algumas práticas das pessoas. O seu impacto histórico é desprezado, pois o intérprete está apenas interessado que ela seja um depósito de cenas e eventos. Não é tanto o que a Bíblia diz, mas como ela autoriza a sua visão pessoal da vida. A Bíblia é apenas um mero suporte para o pregador. Não é à toa que a gente vê tanta esquisitice sendo dita como revelação da Palavra de Deus.

As pessoas também ignoram que a revelação de Deus é progressiva. O Antigo Testamento é a Palavra de Deus, mas foi dada num estágio inicial da revelação, quando o povo de Deus estava no jardim de infância da fé. Jesus é a revelação final. Ele tem a última palavra em tudo. Por isso, na transfiguração, quando aparecem Moisés, representando a lei, e Elias, representando os profetas, Deus interveio, retirando ambos de cena, e declarando: “este é o meu filho amado em quem me agrado. Ouçam-no!” (Mt 17.5). A interpretação bíblica que faz Jesus sumir é delirante. Por isso, Lutero já dizia: “Jesus é o cânon dentro do cânon”.

As pessoas fazem confusão entre livre exame das Escrituras com livre interpretação das Escrituras. Todos têm o direito de estudar e examinar as Escrituras, mas ninguém tem o direito de interpretá-la como quiser. Por isso, em que pese dois mil anos de cristianismo, de repente surgem novos profetas e gurus que acham no Novo Testamento coisas inéditas que a cristandade nesses vinte séculos nunca viu. Desconfie.

O primeiro intérprete bíblico foi o Diabo. Está lá em Gênesis 3.1. Ele foi o primeiro a falar sobre Deus e a distorcer suas palavras. Muitos intérpretes da Bíblia, hoje, parecem ser sobrinhos do Diabo. Apresentam um deus tão insosso, uma interpretação tão incoerente e imperfeita que só existe na cabeça deles. Por tudo isso, ame a Bíblia, mas muito cuidado com os "sobrinhos do Demo".
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