9/29/10

Xuxa, Luísa Brunet e Satanás

Lá pelo início dos anos 80, uma senhora idosa, membro de uma igreja batista, estava encontrando dificuldade em andar. Logo, gente bem intencionada, mas ruim de Bíblia, colocou na mente dela que aquilo era um trabalho maligno. Por certo, Satanás havia tocado a sua perna. A anciã não só comprou aquela idéia, como se apossou dela com gosto e garra, de tal modo que tomou a decisão de não mais andar. Ficava na cama, reclamando da vida, da igreja e de Deus. Culpar demônio é mais fácil do que agir.

A filha, não crente, estranhando aquilo, porque sabia que aquela não era a teologia da igreja que a mãe freqüentava, solicitou ao pastor que fosse visitá-la. Marcado o dia, o pastor chegou, cumprimentou a irmã, abriu a Bíblia e mostrou que “maior é o que está em nós (o Espírito Santo), do que o que está no mundo (o Maligno)” (1 Jo 4.4). Depois, com todo amor, tornou a citar a epístola de João: “Sabemos que todo o que é nascido de Deus não está no pecado; aquele que nasceu de Deus o protege, e o Maligno não lhe toca” (1Jo 5.18). O pastor ainda se lembrou do evangelho de João, quando Jesus garante às suas ovelhas: “dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer; e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo 10.27). Ainda com a Bíblia aberta, o velho pastor começou a explicar que aquele era um problema físico, e não espiritual. Que o Maligno para tocar num crente tem de ter a autorização de Deus, como aconteceu com Jó. Recomendou que procurasse um médico, e se submetesse a um tratamento. Por certo, ela logo teria o seu problema remediado. Nada feito! A irmãzinha bateu o pé: estava com um problema espiritual, pois, sem dúvida, satanás havia tocado a sua perna. Diante de tal reação, só restou ao velho pastor orar pela irmã, pedindo que o Espírito Santo iluminasse seu coração. Saiu daquela casa com um ar derrotado.

Muita gente prefere culpar a satanás, ao invés de encarar de frente seus problemas. Um pastor amigo foi procurado por um casal que queria que ele orasse para que “o demônio da incompreensão conjugal” saísse do seu lar. O pastor, homem bem equilibrado e conhecedor da Palavra, disse ao casal que não havia “demônio da incompreensão conjugal”. O problema era do casal mesmo. A responsabilidade era dele. O casal vivia mal por causa dele, e não por demônio. Os dois deveriam pedir ajuda de Deus, sim, mas também se humilhar e se ajustar. Não existe mágica na fé cristã. Deus exige submissão, obediência e disciplina.

Fui visitar uma irmã que iniciaria naquele dia sessão de quimioterapia, tratando de um câncer no fígado. Lá encontrei um grupo evangélico, com um frasco de “óleo ungido”, que foi passado próximo à região enferma, e um do grupo começou a orar “expulsando o demônio que estava no fígado daquela irmã”. Claro que fazia aquilo com muita sinceridade, mas com muita ignorância bíblica também. Depois que o grupo saiu, perguntei à irmã: “Há quantos anos a senhora é crente em Jesus Cristo?” Resposta: “há 50 anos.” Então, lhe disse que ela não tinha um demônio no fígado, não. Tinha, sim, uma enfermidade. Que fosse ao hospital, se submetesse ao tratamento, pois oraríamos, pedindo que Deus usasse tudo aquilo para o seu bem.

Mas, deixa eu voltar à história inicial. Quando o velho pastor relatou o caso a um pastor mais jovem, ele tomou a decisão de visitar aquela velhinha. Marcou o encontro, e no dia aprazado ouviu o relato da anciã. Depois de ela lhe assegurar que “Satanás tocara na sua perna”, o pastor jovem, não se contendo, disse: “Minha irmã, numa terra em que há Xuxa e Luísa Brunet, a senhora acha que satanás vai tocar logo na sua perna?” Ato contínuo, disse: “Vamos nos levantar, tomar um cafezinho e agradecer a Deus pela sua melhora”. A senhora se levantou, tomou o café e descobriu que estava boa.

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